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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O último a sair apaga a luz

Saudações a todas as cornetas presentes, e se possível, mentalmente sãs neste último post do pior ano da história moderna - e provavelmente também o pior que o Botafogo já nos proporcionou. Do último post pra cá, praticamente tudo foi ladeira abaixo. 

Avisei ainda em outubro que a demissão amalucada do Lazaroni - que em si já assumiu após uma saída desnecessária do Autuori - só poderia ser solucionada com a contratação de dois nomes disponíveis no mercado e que cabiam no nosso orçamento, além de serem com perfil de arrumar a casa e buscar trabalho: Larghi e Machado. 

Bom, a nossa ilustre diretoria, sempre nada competente, decidiu que a boa era repatriar TULIO LUSTOSA, o jogador símbolo do maldito episódio do chororô, pra ser dirigente de futebol. Foram alguns dias sem definição de técnico, e ante pressão da torcida, tentaram ir no mercado externo. Acharam um bom nome: Ramón Diaz. 

Desgraça também à casa torna: marcado pela truculência na parte defensiva e total despreparo psicológico (além de passar recibo pro Flamengo constantemente), Lustosa volta ao Botafogo com péssima fama como dirigente e faz o que dele se esperava, piorando a situação do clube. Foto: Vitor Silva/Botafogo. Fonte: Lance

Mas como TEM CERTAS COISAS QUE SÓ ACONTECEM COM O Botafogo, o cara veio bichado. Isso mesmo, o técnico veio bichado: o cara tinha câncer e precisava operar. Enquanto os filhos treinavam e dirigiam o time em campo - com atuações pífias e derrotas vexaminosas, mas pelo menos melhorando a parte física que sempre foi obsoleta - o cara tava operando, e acabou-se descobrindo que o estado dele era pior que o esperado - ao menos foi o que o Botafogo veiculou. Numa manobra jamais vista na história, DEMITIRAM o cara que sequer assumiu de fato o time em campo. Os filhos alegaram surpresa, que o pai já estava melhorando, etc. Honestamente, é difícil determinar quem faltou com a verdade nessa história mas o veredito é um só: contratar o cara em primeiro lugar já foi burrice

Aí vem a pá de cal. Demitem o cara e JÁ ANUNCIAM O BARROCA no mesmo comunicado. Olha, não me levem a mal: acho que o Barroca é um dos técnicos mais promissores da nova geração, e que sua demissão ano passado foi uma tremenda injustiça. O cara tinha um time de perna de pau e conseguia ter posse de bola, além de ter sido ofensivamente produtivo e eficiente nos primeiros 10 jogos - aonde a pontuação feita foi o diferencial pra não cairmos. O problema é que, tal qual o Diniz há poucos anos, falta experiência pro Barroca amadurecer pra algumas situações de jogo, e principalmente, falta condição de trabalhar com calma. O cara que não vem de bons trabalhos, não é medalhão e assume uma rabuda como é esse Botafogo 2020, a chance de dar certo é quase nula. Bobear é negativa. O mais provável, e que já está acontecendo, é que Barroca cometa vários erros pelo desconhecimento de parte do elenco e a necessidade de obter resultados positivos a qualquer custo em tempo curtíssimo. Barroca é o boi de piranha perfeito pra essa diretoria largar o clube em terra arrasada e sair de fininho. 

Se nossa diretoria fosse séria de verdade, com planejamento, Barroca teria sido de fato bancado ano passado e começaria o ano com um elenco muito melhor e tempo pra implantar sua filosofia e esquema em treinos. Mas a nossa diretoria tá entre as piores da história do clube: bicou o cara pra se apoiar em VALENTIM e depois ficar fazendo dança das cadeiras conforme a crise se instaurava no clube. Se há algum alento é que finalmente o grupo atual vai sair da diretoria. Entretanto, enquanto não houver perspectivas de profissionalização da gestão, pouco deve mudar. 

Saiu pra voltar: Barroca aceitou nova chance na pior situação e momento possível, só provando o nível de equívoco bizarro de sua demissão no ano anterior. Técnico tem potencial, mas não tem tempo nem confiança pra fazer o resgate emergencial necessário no grupo. Foto: Gabriel Machado/AGIF. Fonte: Esporte Interativo

Em campo, a bagunça dos bastidores inverteu todas as poucas bases sólidas que o time possuía. As demissões sequenciais de técnicos retiraram qualquer padrão tático do elenco. As gambiarras pra pagar salários e os resultados péssimos nitidamente geraram um racha entre diversas peças.  Percebe-se facilmente que há uma exclusão dos gringos, com Honda e Kalou sendo seguidamente barrados ou preteridos (embora não tenham apresentado muito pra justificar titularidade, especialmente Kalou que veio a passeio) e Barrandeguy sequer relacionado, mesmo com as seguidas péssimas atuações de Kevin e Marcinho. 

Aliás, esse é outro que compõe mais um problema extra-campo que virou interno ao campo: a reintegração promovida por Tulio Lustosa de jogadores completamente desinteressados em estar no Botafogo ou que tenham alguma capacidade de entregar algo ao elenco. Marcinho e Cícero vestirem a camisa alvinegra é algo INACEITÁVEL. Falando em desinteresse, percebe-se que Nazário e Pedro Raul não ficaram satisfeitos em não render por si, mas também passaram a arrastar os mais jovens do elenco em baladas. 

Entretanto, poucos casos são mais emblemáticos do que Marcelo Benevenuto e Victor Luiz. O primeiro começou o ano como base sólida da defesa e segundo capitão do time: e fecha 2020 como o maior entregador de bolas do Botafogo no campeonato. Leituras erradas, falta de tempo de bola, braço muito aberto, faltas burras e até criminosas, passes na fogueira, afobação, a lista é gigantesca. A péssima temporada de Marcelo escancara ainda mais a péssima decisão de espanar o Carli pra fora do clube. Já Victor Luis é uma tragédia anunciada: não amargou a reserva da reserva no Palmeiras à toa. Seu nível técnico nunca foi muito alto, mas a parte física caiu bastante e taticamente tem sido uma barata tonta. 

Marcelo Benevenuto ao lado de Zé Welison: zagueiro era fonte de confiança da torcida, mas seu futebol desapareceu por completo. Saudades do Carli? Foto: Reprodução do Canal Premiere. Fonte: FogãoNet.com.

Enfim. Soma-se isso com as contratações sem critério e sem noção da diretoria. Warley, Eber Bessa, Kelvin, Kevin, o próprio Kalou, Davi Araújo, Rentería, Zé Welison, Forster, uma penca de jogadores que não disseram a que vieram e não parecem ter o mínimo de futebol pra pelo menos botar uma preocupação nos concorrentes quando jogam como titulares. Aliás, alguns sequer são postos pra jogo, o que me diz que devem ser fraquíssimos. Conseguir a proeza de não adicionar mais pro time em campo do que Lecaros, Babi ou Rhuan é realmente um esforço de mediocridade sem igual

Ah, e pra botar a cereja no bolo do pessimismo, Honda pediu pra sair. Olha, mesmo sendo muito frio e considerando todas as n razões lógicas pelas quais qualquer jogador na posição dele deveria sair do time (bagunça dos bastidores, diretoria inepta, pandemia brasileira fora de controle), o que mata é o discurso. O cara chegou agitando a torcida, botou moral, agiu como "parceiro" e disse que ia chamar responsabilidade, e NÃO CONSEGUE COBRAR FALTA PORQUE O MARCINHO, O  M A R C I N H O  pagou esporro nele. Se quer ir embora e voltar pro ostracismo patético de jogar em clubes medianos, que vá. Inacreditável que o sujeito tenha jogado naquela rabuda do cacete que foi o Milan de poucos anos atrás e não tenha peito de segurar o rojão porque o BRUNO NAZÁRIO não toca a bola pra ele. Me poupe. Comprei a merda do balde de pipoca dele no Nilton Santos, combinou com o belo pipoqueiro do caralho que ele se provou. À merda com o discursinho dele. Boa sorte na carreira nada relevante para a história do futebol fora do Japão. Até o Seedorf saiu menos pelos fundos, e lutou por coisas grandes pelo menos

É difícil demais ver qualquer esperança para a permanência na série A. Verdade seja dita, salvo um tapetão maluco por causa da pandemia piorar mais ainda, esse time sequer merece a permanência. Fez o roteiro do rebaixamento de cabo a rabo e ainda adicionou mais algumas páginas exclusivas. Mas fica a pergunta: é possível escapar?

Matematicamente, é sim, até razoavelmente. Se vencermos os adversários diretos nos jogos que restam (Vasco, Goiás, Sport, Athletico) e conseguirmos vitórias contra medianos, supondo que como nós esses concorrentes pontuem muito mal contra os times de topo, temos chance. A salvação viria na última rodada, se nos garantíssemos contra o Ceará. Mas essas vitórias parecem cada vez mais impossíveis, mesmo com as rodadas favorecendo. Corinthians era um adversário que era possível encaixar a vitória, e lá se foram 3 pontos. Novamente: esse time merece se salvar? Não. Mas o torcedor merece PELO MENOS esse alívio, com tanta merda acontecendo. 

Pé na bunda de quem não quer jogar e se dedicar, bota a base se for preciso e pelo menos cai atirando, entregando. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

É o fim? Ou é só a mesmice derrotada de sempre?

Saudações alvinegras! Ou eu deveria dizer "meus alvinegros pêsames"?

Que a situação do Botafogo é caótica em termos financeiros e políticos há muitos anos, isso sempre se soube. As consequências também já nos são conhecidas: dificuldade em montar elencos competitivos e contratar técnicos inteligentes, baixas performances e colocações nos campeonatos que se disputa, ambientes instáveis pelos rachas dos grupos políticos piorando a situação dentro de campo e em outros esportes, afastamento do torcedor e dificuldade de renovar a torcida, pouca exposição de patrocinadores e dificuldade de convencer novos, etc. 

A questão é que nos últimos anos, talvez mais precisamente desde o fim da gestão Maurício, as dívidas triplicaram, quintuplicaram, enfim, descaralharam de tamanho. Vimos uma série de performances ridículas ano após ano, partindo da queda pra série B logo de entrada em 2014 com direito a atrasos constantes de salário gerando greve de elenco no processo. Voltamos aos trancos e barrancos, na bola, mas salvo o cada vez mais bizarro e inexplicável "vou se empolguei" de Jair Everest 2016/meados de 2017, são anos seguidos sempre fazendo contas pra não cair, trocando de técnico e projeto entre apostas medíocres e consolidados mais medíocres ainda, e vendendo os poucos jogadores de base que conseguem despontar em meio ao caos a preço de banana. 

Na verdade, se contarmos desde 2014 a quantidade de jogadores promissores ou mesmo os mais consolidados que vendemos ou emprestamos pra pagar salário atrasado ou dívida trabalhista, dá a base de um time consideravelmente competitivo: Dória, Fellype Gabriel, Vitinho, Lodeiro, Jadson, João Paulo, Rabello, Jonathan, recentemente o Luís Henrique. Vá lá, até o Ribamar poderia compor elenco hoje em dia. Um pouco mais de equilíbrio nas finanças e poderíamos ter segurado até o Erik se pá. 

Desde meados de 2019, a palavra de ordem é a vinda da S/A. Começamos 2020 otimistas, com a promessa de chegada do projeto e a viabilização de temporadas mais tranquilas, com a possibilidade de investir um pouco mais no futebol sem fazer estripulias chegando em breve. Não somente: mesmo economizando pra cacete, montamos um time titular consideravelmente bom. Se não é exatamente tudo o que essa torcida sofrida merecia, pelo menos era mais do que suficiente pra segurar o rojão e gerar engajamento de longo prazo sem passar tanto desespero. 

Só que a crise financeira tem piorado cada vez mais. Estamos dependendo do Montenegro, que vive fazendo merda, ser a voz lúcida na diretoria e pagar as contas que o clube não consegue pagar do dia a dia. Futebolisticamente falando, tampouco há projeto. Começamos o ano amarrados no péssimo Valentim, corremos no Autuori de favor. O acordo com o campeão de 95 não era má ideia, mas a demora da S/A se resolver, somado com os resultados péssimos em campo fizeram o treinador entregar o cargo. Qual foi a solução da diretoria? LAZARONI. 

Preciso comentar mais? Era óbvio que o Lazaroni tava verde pra ser técnico. Se é que deixará de ser no futuro. A sorte dele era que o elenco parece unido o suficiente pra abraçar quem vier com humildade.  O time engatou 2 vitórias, mas segue performando muito mal, e empatou de forma ridícula depois de massacrar o Goiás em casa. A gota d'água foi ontem, uma derrota vexaminosa pro Cuiabá, que vinha com 7 desfalques. 

Esse mesmo Cuiabá foi goleado pelo Botafogo de Zé Ricardo por 3 a 0! Fica o comparativo pra ilustrar o quão ruim o time está, mesmo com um elenco visivelmente melhor.  

Mas é mais grave do que ser o Lazaroni a solução. É a clara falta de planejamento que a diretoria - e isso inclui TODOS os caras que passaram pela gestão do clube nos últimos 20 anos - tem pra lidar com o clube. Contratações questionáveis, negociações suspeitas, dívidas desnecessárias, falta de projeto e filosofia pro futebol. A esperança da S/A era justamente que essas figuras virassem conselheiros sem poder de decisão, e o Botafogo finalmente pudesse respirar. 

Após mais uma vergonha na Copa do Brasil, como já mencionado, foi a vez do Felipe Neto descer o sarrafo no Twitter. Embora boa parte seja emoção do momento e até achismos, expôs-se parte do que era esperado: apesar da pandemia de fato ter atrapalhado o clube, a diretoria é incapaz de tocar o projeto à frente (e há com certeza membros que não o querem) e o clube pode acabar seguindo o caminho da recuperação judicial (que pode resultar em rebaixamento direto à série D). 

Apesar do próprio interneteiro ter retratado algumas de suas posições, o que chama atenção é o fato óbvio: não existe essa de Moreira Salles resolverem tudo, como eu mesmo já tinha batido nessa tecla ano passado. Não existe mecenas interessado em comprar todas as dívidas do Botafogo, ao menos não sozinho. E com a diretoria sendo incompetente como é, reduz-se ainda mais o número de interessados em arriscar. 

Isso significa que estamos fadados a assistir o fim do Botafogo? Não necessariamente. O time vem aos trancos e barrancos mais graves há quase 10 anos. Pode passar mais alguns anos assim, se isso implicar em melhorias a passo de tartaruga. 

O problema é que isso tem prazo de validade. Não somente, os tempos são outros: as cobranças estão mais implacáveis, a FIFA está mais ativa para punir clubes e uma queda para a série B reduziria absurdamente a capacidade do clube de capitalizar o necessário para uma retomada gradual de sua competitividade. É possível de verdade que o Botafogo se condene a não ser mais visto como grande nem pelos mais saudosistas. Virar um América ou Bangu da vida. É possível sim. Se duvida, observe um pouco os exemplos da Portuguesa, e agora o fim de temporada do Cruzeiro vai dizer muito ainda sobre o que acontece com times desajustados financeiramente. 

Em suma: pode levar 3, 4 ou 10 anos. Se não forem tomadas medidas concretas de renovação da gestão do Botafogo, não haverá salvação do destino amargo. Isso vai pra muito além de demitir um técnico incompetente - contratado ou promovido por quem jurou que não seria o caso - ou fazer contratações aleatórias de jogadores convenientemente ligados a empresários a quem o clube deve. 

Da mesma forma, podem levar os mesmos 3 ou 10 anos pro clube se reerguer à presença dos tempos de glória. A S/A era o atalho salvador pra encurtar essa trajetória e dar alívio aos combalidos cofres. Pode ser que consigamos sem S/A. Mas o fato é: o clube precisa de dinheiro AGORA, e precisa que ele seja ADEQUADAMENTE empregado, o que exige uma gestão inteligente, ou seja, não amadora. Gostaria muito que houvesse um processo de democratização, mas estamos distantes do nível de engajamento e cultura política que a maioria da torcida do Bahia tem, por exemplo. 

Seja como for, é mais um ano passando raiva em níveis nada saudáveis, meu cabelo ficando alvinegro sem eu precisar tingir, e mais uma temporada de desespero. Não vou dar nota pra ninguém do jogo não porque mereciam todos zero, no máximo o Honda um 5 porque é o único jogador que tem decência de pedir desculpas quando falha. 

E só pra fechar: fui olhar alguns dos nomes soltos no mercado. Só dois são aceitáveis e cabem no orçamento: Larghi e Roger Carvalho.  Com muita paciência, talvez o Luxa se ele aceitar ganhar menos. De resto, é tudo projeto série B

PELO AMOR DE GARRINCHA, TIREM A CAMISA 7 DO RHUAN. 

E PELO AMOR DE ZAGALLO, NADA DE VALENTIM. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

EmpataFogo de Futebol e Desespero: O que fazer?

Salve cornetas, mais um textão pra falar da situação do nosso Botafogo, e obviamente, a coisa não anda muito bonita. 

Junto do Palmeiras, o nosso Glorioso está se consolidando como o time do empate do campeonato brasileiro. Já são 8 empates, e apenas uma vitória, aquela onde o time deu um show coletivo e Autuori um nó tático no Galo de Sampaoli. 

De lá pra cá, além dos resultados frustrantes, a maneira com que tem ocorrido: em jogos relativamente controlados, com o Botafogo sempre saindo na frente e levando um empate em lances bobos, além de uma visível limitação do time em buscar o resultado após sofrer o gol. Talvez as únicas exceções à regra sejam as derrotas para Inter e Vasco (no brasileiro), onde ainda teve os agravantes de intervenções errôneas ou sem critério do VAR - que ainda resultaram em uma suspensão do Gatito que está pra acontecer, e se tivermos sorte pode ser que pegue parte do período dele na seleção paraguaia - e, novamente, gols bobos. 

Os resultados que sem dúvida chamam a atenção geral são contra Flamengo, Athletico-PR, Coritiba e recentemente o Atlético-GO. Contra o Fla, o time fez o gol aos 50 e conseguiu a proeza de cometer um pênalti bobo aos 51 (apesar da falta de critério do VAR, a marcação foi acertada). Quase tomamos uma virada ridícula contra o Pathetico, simplesmente aceitando a pressão final, tomando gol e cometendo pênalti na sequência. Contra o Coxa faltou vontade, e contra o Dragão o time morreu taticamente num dia ruim de Autuori - e pior de parte do elenco. 

Seriam 4 vitórias a mais e estaríamos disputando posição pra quem sabe beliscar um G4 no fim de temporada. O quê exatamente está dando errado? É difícil isolar um fator, parece mais uma convulsão de vários. Resolvi fazer uma análise geral, separando em 2 grandes grupos: o que está tendo gerando problemas, e o que existe de positivo que pode solucionar. 


SITUAÇÕES PROBLEMA:


1 - A MÁ GESTÃO DO ELENCO PELA DIRETORIA

Esse é talvez o maior problema, que já era anunciado de tempos e que agravou absurdamente nas últimas semanas. Desde o início da temporada, o Botafogo sabia que precisava ir ao mercado e compor um time praticamente do zero. A espinha dorsal ficou ótima com as novas peças: Victor Luiz, Forster, Rentería, Honda, Nazário, Kalou, Babi e quiçá, Raul também, somando a um time que tinha uma defesa forte em Gatito, Benevenuto e Kanu, e boas peças de velocidade nos lados. 

Luis Henrique é anunciado no OM. Clipe valoriza tradição alvinegra. Saída deixa vácuo técnico e tático no time. Fonte: FOGÃONet, Youtube. 

Aí começou o rame rame. Luiz Fernando, peça carimbada do time, é emprestado ao Grêmio. Pra repor, ninguém. Luiz Henrique, nossa maior joia recente da base, também é vendido. Quem vai vir? Rhuan é o único jogador do time com o perfil de velocidade necessário para acelerar o time, e isso pesa muito mais sabendo que gostamos de usar o contra-ataque. Além disso, o garoto oscila. Kalou já não tem tanta velocidade, jogando mais enfiado apostando no 1X1. Davi Araújo, que até tem mostrado alguma desenvoltura, também não faz o perfil velocista.

Some isso com as contratações TENEBROSAS para a lateral direita. Marcinho é carta fora do baralho, praticamente forçando rompimento com o clube enquanto se cura da lesão. Barrandeguy tem pegada na marcação, mas é fraquíssimo no ataque. Kevin é o oposto: chega no ataque, mas é burro e não sabe tomar decisão na hora de marcar, correndo errado e deixando espaços que os atacantes adversários aproveitam. Inclusive, não entendo porque parte da torcida prefere o garoto: erra com frequência lances bobos, e foi o responsável pelo patético primeiro gol que tomamos do Vasco no Brasileiro, dominando mal uma bola que iria sair e dando na fogueira pro Benevenuto fazer milagre. 

O golpe final nesse ponto é algo que até outro dia era positivo, mas se provou um erro: o afastamento de Cícero. Se a lentidão do volante seria um problema para um time que já possui jogadores lentos no meio, fica evidente que mantê-lo na dispensa SENDO PAGO e sem sair do clube é problemático, especialmente quando nessas situações e com o rodízio inevitável que o campeonato está forçando (calendário bagunçado da COVID) somos obrigados a ter Luiz Otávio como única opção de meio-campo no banco. 


2 - O RACHA ENTRE TORCIDA X AUTUORI

Esse é um ponto que vejo menos como causa, porém mais como um grande agravante. Autuori está longe de seus dias glórios, e ele sabe disso. As decisões do treinador oscilam bastante, entre a mexida que garante o domínio do jogo e a queimada de jogador. 

Some isso com  uma torcida afoita, que não quer nem ouvir falar em zona da degola novamente, e os resultados dos jogos, e você tem uma bomba. A relação não melhora nem um pouco quando o treinador relembra que sua passagem é pra abafar o incêndio financeiro do time até a S/A sair  (e se não sair sabe lá Nilton Santos o que será de nós) e portanto ele não se preocupa com críticas, está só de favor. De fato, está, mas precisa assumir que o time não está entregando o esperado nem o que realmente pode, e precisa descobrir uma forma de sacodir o elenco. 

Boa parte da torcida pede a cabeça do treinador. Discordo que seja o momento. Autuori aposentado ainda é melhor que Valentim, Zé Ricardo, Húngaro, Tigrão, dentre tantas outras invenções que tivemos que aturar e que provavelmente são o máximo que conseguiríamos no mercado agora. Autuori parece ter prestígio com o elenco também, e isso pesa bastante quando você lembra que tem 2 jogadores de Copa do Mundo compondo essa equipe. 

Autuori no divã: time performa, mas não vence. Torcida perde a paciência, mas há opções decentes no mercado? Fonte: Égool. Foto: Divulgação/Botafogo.

Não somente, o trabalho do mesmo como dirigente é notadamente elogiado. Se queremos o cara pra esse cargo, demitir ele agora antes de ter as condições pra passar a tocha pode ser piorar a relação com ele em outro cargo - vale lembrar que é ano eleitoral e Autuori pode ser tanto usado como argumento a favor como crítica em campanha. Um candidato oportunista pode prometer aos setores mais enraivecidos da torcida a demissão do técnico/dirigente, se eleger em cima disso e dirigir o clube em causa própria como tantos outros já fizeram. 


3 - A OSCILAÇÃO TÉCNICA/FÍSICA DO TIME

Não é todo jogo que todo mundo vai jogar bem, óbvio. Mas a situação é um pouco mais complicada que isso. 

O calendário, como já destacado, está uma bagunça e mais massacrante do que nunca. Honda e Kalou, que já seriam poupados em determinadas ocasiões, agora se desgastam mais rápido, diminuindo consideravelmente o poder de criação do time em algumas partidas. No caso do Kalou, ainda tem um efeito pior extra: demora ainda mais para completar sua readaptação de tempo de bola e o entrosamento com o time. Guilherme está se recuperando de lesão só agora.

Some isso com a gangorra bizarra de rendimento de jogadores-chave. Forster parece sofrer com a função de líbero: embora vá bem na marcação e nos cortes, seu bom passe não tem sido tão efetivo, o jogador parece estar ainda procurando acertar o posicionamento e com isso tem seu tempo de bola prejudicado. Já errou passes importantes. 

Caio Alexandre e Bruno Nazário vão do céu ao inferno de um jogo pro outro. Saem de performances consistentes e ativas para exibicionismo, apatia e ineficácia. Um pouco mais de regularidade faria com que contribuíssem mais. Não somente, Honda tem se sacrificado pelos dois em campo. Sim, o próprio japonês pediu pra jogar mais recuado, mas uma coisa é ele fechar atrás e subir com eles apoiando, a outra é ele marcar pelos 2 como às vezes acontece e ainda ter que criar!

Pedro Raul, que começou estourando, simplesmente não dá conta mais do recado. Se é baladeiro ou não é, outra conversa, o que importa é se rende. E de momento, por mais que tecnicamente seja mais apurado que Babi, não está rendendo. Inclusive, nos momentos que Autuori tenta usar os dois - seja por opção tática ou por falta de peças - é comum que Raul atrapalhe bastante Babi. 


SITUAÇÕES POSITIVAS:


1 - PADRÃO DE JOGO

Pode jogar bem ou mal, que faz parte, mas o Botafogo de Autuori sabe o que faz com a bola. Fecha bem os espaços, roda a bola com calma quando precisa propor e sabe explorar muito bem o contra-ataque, sendo agudo e objetivo. Isso é algo que não víamos acontecer bem há algum tempo. O último que deu alguma cara de jogo ao time foi Jair (Everest) Ventura, mas com um elenco bem mais fraco no papel. 

Isso inclusive é parte do que faz esses resultados serem surpreendentes. O time pode mais, está bem treinado - ou pelo menos, minimamente treinado, coisa que no Brasil é raro - e tem individualidades fortes em todos os setores. Até a porra do Tite, treinador da Seleção Brasileira, bateu nessa tecla. Diferente do Palmeiras, nós conseguimos inclusive fazer jogos de bom futebol, mesmo sem o resultado. Autuori não é um Diniz da vida, não é marcado por nenhuma sina derrotista e não inventa moda com o que não tem. E, discordando dele em várias mexidas ou escalações, eu tenho que reconhecer - espero que vocês também - que não é justo botar na conta dele falhas individuais dos atletas que nos custaram jogos

Se a diretoria trouxer um BOM atacante de velocidade, jovem, e um BOM lateral direito, é certo que só tendemos a melhorar. Cabe à torcida cobrar essa diretoria pelas contratações. Sobre técnico, se a S/A sair de fato, há algumas opções boas no mercado que seriam acessíveis em caso de termos o mínimo de capital. Roger Machado é um nome que me agrada, mas pra lidar com os mais experientes e os mais estrelinhas meu sonho de consumo hoje é o Rogério Ceni. Ambos tem um estilo de jogo que gosta de atacar e sabem trabalhar elencos técnicos. Mas isso fica pra depois. 


2 - A UNIÃO DA ESPINHA DORSAL DO ELENCO

Tá acontecendo uma coisa muito legal de se ver, que faz algum tempo que não rola: o elenco é majoritariamente unido. Isso rolou em alguns graus em 2017  - apesar do Roger plantando discórdia - e 2010 - graças ao carisma de Joel Santana e Loco Abreu. Mas acho que esse ano em específico tá uma cara melhor. 

Temos Honda e Marcelo Benevenuto extremamente entrosados. O elenco começa a querer falar inglês, fazer um esforço especial pra se entender e comunicar. Parece bobo, mas isso faz uma diferença absurda dentro de campo. Não só pra falar com o Honda ou o Kalou, mas a ideia de realmente querer se entender como pessoas cria uma proximidade importante entre os jogadores. Victor Luiz é extremamente identificado com o clube, assim como Gatito. Kanu se mostra um gigante pra sua idade, e com grande espírito de liderança. Cavalieri virou referência importante pros mais novos. Kalou já colou no Babi, que sempre chama Caio e Nazário para as dancinhas. Rentería já chegou cheio de resenha. 

E o samba do japonês? Entrosamento de Honda com a garotada gerou ambiente alegre e de companheirismo, mesmo na má fase. O craque foi o principal jogador contra o Vasco na Copa do Brasil. Fonte: FOGÃONet. Foto: Reprodução BotafogoTV. 

Enfim, parece bobo, eu repito, mas isso é muito importante. Perdemos muitos campeonatos por ter elenco rachado: aquele Brasileiro de 2013 vocês lembram a vaga na Liberta, mas esqueceram da paçocada do time quando disputava a liderança e tinha tudo pra ser campeão. Seedorf rachou MUITO o elenco enquanto queria idolatria, e muitos esquecem disso.

Já fomos rebaixados tendo esse como um dos fatores. O time de 2014 era uma mistura de salário atrasado com jogador que não queria tocar pro outro pra querer se sagrar salvador e mostrar que era melhor. 

Hoje, o único jogador que eu vejo realmente destoar desse sentimento coletivo bom no clube é o Pedro Raul. E nem por isso quer dizer que ele esteja sem amizades, às vezes é só o jeito mais fechado ou mais estrelinha que aparece mais do que o que ele faz nos bastidores. A impressão que fica é que esse elenco sabe dos próprios erros e não vai deixar a peteca cair. Eu consigo olhar para esse time e ver que há gente tentando, ainda que esbarrando nos próprios erros. Eu consigo ver vontade de se superar. Eu não vi isso em 2014


3 - COPA DO BRASIL

O que nos últimos anos tem sido nossa maior coleção de vergonhas e eliminações imperdoáveis, tem sido até o momento nossa maior fonte de renda no ano. Com boas partidas contra o Vasco, chegamos às oitavas da Copa do Brasil depois de um bom tempo sem conseguir esse feito básico. Isso ajuda no marketing e negociação de patrocínios, além do prêmio em dinheiro que ajuda muito com um elenco de salário bem baixo. 

A questão é que, como mencionado, o Botafogo tem um elenco bem agradável em vários setores, e mata-mata não exige que sejamos sempre brilhantes, mas eficientes. Com um calendário bagunça que está punindo bastante os elencos, e a COVID atacando os times de Libertadores que entram agora, há uma chance real de irmos longe. Título? Não sei. Especialmente se a situação no Brasileiro seguir apertada, seremos obrigados a olhar pro mais urgente. Mas quem sabe uma semifinal? Não é impossível, diria inclusive que a depender do sorteio pode ser o caminho provável. 


Enfim, por hoje é isso. Temos uma sequência importante agora de jogos em casa. Se o time emplacar 2 ou 3 vitórias , respira e ganha confiança pra fazer uma temporada mais tranquila. Nos resta torcer pelo bom desempenho e pressionar a diretoria pela reposição de peças. De momento, não vejo muito sentido em tirar Autuori do comando, mas a situação pode urgir nas próximas rodadas se o time não vencer. 

Saudações alvinegras!

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Honda é peça importantíssima para o Botafogo de Autuori

Olá! Tudo bem? Ou deveria dizer "こんにちは"? Já estava no meu planejamento escrever sobre este assunto, mas agora mais do que nunca virou necessidade: precisamos falar sobre Keisuke Honda (本田圭佑).

Honda chegou ao Botafogo com um dos principais nomes da equipe para 2020 (Foto: Vítor Silva/Botafogo)

O meia japonês chegou ao Botafogo no início de 2020 com toda a pompa, com direito à recepção da torcida no Aeroporto Internacional do Galeão e apresentação no Estádio Nilton Santos, e logo criou-se a expectativa de que ele se tornasse o grande craque daquele elenco alvinegro. Assim que houve o anúncio da contratação, muitos já resgataram da memória aquele bom jogador de tempos de CSKA Moscow e da seleção japonesa (alguns até recordam de boas partidas pelo Milan, apesar da passagem dele ter sido discreta por lá), e já projetavam que ele se tornasse a esperança de gols do alvinegro. Pois bem, já se passaram algumas partidas e o torcedor parece um pouco frustrado com suas expectativas.

Honda tem atuado constantemente como volante, exercendo uma função tática bem diferente da que muitos esperavam que ele fosse fazer. Não só botafoguenses, mas também torcedores de outros clubes e até analistas esperavam que Honda tivesse um papel semelhante ao que o Clarence Seedorf teve entre 2012 e 2013, quando o surinamês (sim, ele nasceu no Suriname) foi um camisa 10 no sentido literal da equipe, organizando o ataque e fazendo muitos gols. Honda não tem feito isso, pelo contrário, tem jogado bem mais recuado até do que estava acostumado a fazer.

E com isso, Honda se tornou um jogador muito mais de transição do que de fato um jogador de apoio ao ataque. Em muitos momentos reveza com Caio Alexandre a execução da saída de bola, a proteção do sistema defensivo, e tem ido com muito mais raridade à frente para buscar uma jogada mais aguda ou uma finalização. E dessa forma, Honda fica bem menos exposto aos holofotes do que outros nomes como Bruno Nazário, Pedro Raúl, Luís Henrique, Matheus Babi e, claro, Salomon Kalou.

Comparações entre Honda e Seedorf são quase inevitáveis para torcedores e analistas (Foto: Wagner Meier/AGIF)

Por jogar de uma maneira "mais discreta", Honda já começa a receber críticas da própria torcida, que já começa a tratar o japonês como uma das grandes decepções da temporada e começarem a falar que ele "não joga nada". Mas as críticas são justas? Elas tem fundamento? Vamos tentar analisar em alguns pontos.

Posicionamento

O primeiro, e mais fundamental para essa análise, é o posicionamento. Como já disse, Honda tá jogando de volante. Uma das maiores críticas ao técnico Paulo Autuori é que ele "estaria inventando o Honda de volante", porque em tese o jogador é um meia ofensivo e que escalar ele recuado não faz o menor sentido. Será? 

Honda de fato sempre foi um jogador de chegada. No auge de sua carreira jogava como um meia centralizado ou um meia aberto pela direita, bastante agudo e que gostava bastante de finalizar. Tinha uma certa velocidade e fôlego que o ajudava a executar essa função. No entanto, os anos foram se passando e Honda foi perdendo essa velocidade e capacidade física para ficar correndo o tempo inteiro, e com isso foi recuando nas funções do meio campo. Ele, que no Pachuca-MEX teve momentos que era até mesmo um atacante, quando chegou no Melbourne Victory-AUS começou a jogar em uma segunda linha de meio campo, atuando muitas vezes como segundo ou terceiro volante dependendo da escalação. Ao chegar no Vitesse-HOL, foi de fato um terceiro homem de meio campo e claramente adotou um papel de construção vindo de trás. Ou seja, há pelo menos dois anos o japonês vêm se moldando para jogar de volante.

Mas por que isso? Bem, há alguns motivos para essa mudança. O primeiro deles eu já citei, que é a questão física. Honda não é mais um jogador ágil como em outros tempos. Ele não tem mais a disposição e velocidade de ficar fazendo movimento de ir e voltar que a posição dele iria exigir, e isso iria fazer dele uma peça a menos na recomposição defensiva, o que hoje em dia é muito valioso. Em contrapartida, o japa aprimorou sua técnica e refinou o seu passe e a visão de jogo. Jogando mais atrás, Honda se cansa menos e compromete menos defensivamente.

Kubo é um dos principais talentos da seleção olímpica (Foto: Nelson Almeida/AFP)

Outro motivo está ligado ao desejo do jogador em disputar as Olimpíadas de Tokyo. Se despedir da seleção japonesa jogando em casa é a sua grande motivação. E hoje, na seleção olímpica japonesa há uma das maiores promessas do futebol do país: Takefusa Kubo, o jovem meia/ponta de 19 anos que joga no Villarreal, emprestado pelo Real Madrid. Honda entende que disputar posição com Kubo é maluquice e ele não tem a menor chance. Além disso, ele entende que se jogar avançado, corre o risco de atrapalhar mais do que ajudar a seleção. Então, para o seu bem e para o bem da seleção, decidiu recuar o posicionamento, onde a concorrência por vagas é menor, para ser mais útil aos jovens japoneses. 

Resumidamente, Honda de volante não é invenção de Autuori.

Função

Atuando mais recuado, Honda precisa fazer uma função de organização do meio campo e de saída de bola. Como o japa tem bom passe e boa visão de jogo, a transição ofensiva com ele fica muito mais qualificada do que seria se o Botafogo optasse por um volante de contenção. Uma coisa é você fazer a transição com um jogador estilo Val, outra é fazer isso com o Honda. É muito mais fácil.

Função de Honda hoje é parecida com a de Renato entre 2011 e 2013 (Foto: AGIF)

Logicamente, o meio campo com Honda fica com menos poder de marcação, embora seja o líder de desarmes da equipe (já falo sobre isso mais adiante), e Autuori precisa compensar isso de alguma maneira. Na partida contra o Corinthians, o treinador alvinegro escalou Rafael Forster como um líbero, com momentos em que alternava entre zagueiro e outros como primeiro volante. Isso permitiu que tanto Honda quanto Caio Alexandre ficassem menos sobrecarregados com a marcação e pudessem ter mais liberdade para trabalhar a bola mais na frente. Em outras partidas, não houve essa compensação e os dois volantes precisaram guardar mais a posição para não comprometer o meio de campo.

O jeito que Honda vem jogando se assemelha muito a o que Renato fazia no Botafogo entre 2011 e 2013, como um legítimo camisa 8, inclusive com números parecidos ao do japonês e tratado por torcedores e pela imprensa como um jogador refinado e que "jogava de terno". A diferença agora é que Honda não tem a companhia de um Marcelo Mattos (que não era bom de bola, mas dava a consistência defensiva que o Renato precisava para atuar um pouco mais solto) e as pessoas têm menos paciência com o japonês por ter um pouco mais de grife internacional. 

Desempenho

Agora eu começo a dar meus pitacos. Tendo em vista que a função do Honda para o Botafogo é completamente diferente da dele para o CSKA ou para o Milan, ele está jogando mal? Eu não acho e que a afirmação de que ele não está jogando nada é um exagero sem tamanho.

Honda é o melhor e o principal passador do Botafogo no Brasileirão. Praticamente toda jogada passa pelo pé dele. Ele pode não originar toda jogada de ataque do time, mas quase toda bola em posse do Botafogo passa por ele. De acordo com o site SofaScore, Honda é segundo jogador do Botafogo que mais dá toques na bola por partida — média de 61,2 —, só perdendo para Victor Luís — média de 72,5. Além disso, o japonês tem uma média de 88% de acerto de passes, perdendo apenas para os zagueiros Kanu e Marcelo Benevenuto, que tem mais de 90% de média.

O japonês hoje é o maior ladrão de bolas do alvinegro (Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians)

Honda também é o líder de desarmes da equipe no Brasileirão, segundo o site Infogol. É verdade que o japonês não tem o maior índice de acertos (54%), mas o jogador já contabiliza 13 desarmes em 24 tentativas. É disparado o jogador que mais tenta e o que contabiliza mais desarmes.

O jogador também é um dos que mais dá passes decisivos por partida — média de 1,8 — e só perde mais uma vez para Victor Luís — média de 2,0. O terceiro colocado da lista é Bruno Nazário — média de 1,6.

Honda de fato tem finalizado pouco e participado menos das ações ofensivas. Até o momento contabiliza um gol de pênalti, nenhuma assistência e tem uma média de uma finalização por jogo. No entanto, reforço mais uma vez, ele tem atuado mais afastado do gol e muitas vezes é forçado a segurar posição para não comprometer a equipe defensivamente. No jogo em que o jogador teve liberdade para participar mais, o japonês foi mais a frente e levou muito mais perigo. 

Ter o Honda mais recuado facilita demais a transição ofensiva (Foto: Vítor Silva/Botafogo)

Concordo com muitos torcedores do Botafogo que afirmam que Honda segurando posição é um desperdício e que ele precisa chegar mais no ataque para ajudar o time a levar mais perigo ao adversário. No entanto, eu discordo totalmente de que ele esteja jogando mal de volante, pois os números comprovam que o papel que lhe cabe está sendo bem executado, e que para ele ser mais perigoso ele precisaria jogar como um camisa 10 do time. Não, ele como volante pode ser um jogador perigoso, como foi contra o Corinthians. O que o Autuori precisa é ajustar uma formação em que o Honda possa ter essa liberdade no meio junto com Caio Alexandre. Eu muitas vezes defendi aqui o esquema com 3 zagueiros e contra o Corinthians o time jogou num 3-4-3. Mas isso pode ser feito num 4-1-4-1, ou 4-1-3-2, ou 4-1-2-3, ou até mesmo o 4-1-2-1-2. Qual desenho vai ser usado pouco importa. O que importa é que com um Honda mais solto, a possibilidade do Botafogo brilhar é maior.

É isso, meus amigos! じゃまた!

sábado, 22 de agosto de 2020

Kalouando os críticos

O texto de hoje vem no embalo do bom desempenho do Botafogo nas primeiras rodadas do Brasileirão, à véspera de um clássico importante contra o Flamengo
Já expressei no texto anterior, mas vale repetir: tanto não era pra estarmos jogando bola agora, como ainda seremos obrigados a parar de novo em breve. Mas que seja, infelizmente os tomadores de decisão são tão hipócritas quanto intransigentes e ignorantes. E assim seguimos para o abismo.

Quero fazer um retrospecto e uma avaliação geral do que vimos do Glorioso até agora. Vale dizer que, desde o retorno, houve uma evolução consistente no padrão de jogo da equipe. Nem sempre performando tecnicamente bem, mas jogando sempre de forma organizada e reduzindo as fragilidades defensivas. Mérito que deve ser dado ao Autuori, que arrumou a casa como pôde e segue quebrando a cabeça pra tirar o melhor do elenco enxuto com as peças que tem e que chegaram recentemente. Tem muita coisa a destacar, especialmente a AULA que ele deu no Sampaoli. Mas vamos por partes, quero analisar o jogo depois.

Uma decisão claramente notável foi recuar o posicionamento do Honda, que tem atuado como segundo e às vezes primeiro volante, trocando de posição com Caio Alexandre. O Nycolas já deu uma certa analisada nisso, e não vou ficar repetindo muito, mas o destaque é que o próprio Honda alegou em entrevista ter pedido pra jogar mais atrás e estar buscando dar liberdade pro Caio avançar, enxergando no garoto o potencial de chegar mais ao gol e armar o time. Quando poupado do jogo contra o Galo, logo surgiu um frenesi nos mesmos torcedores que achavam que ele não deveria ser escalado dessa forma. Em outras palavras, acho que a questão está bem definida, ele pode atuar ali e deve seguir assim.

OU SERÁ QUE NÃO?

2 contratações e algumas saídas/desfalques recentes do Botafogo vieram colocar a pinta final de dúvida que faltava pra todo mundo sobre o que é a formação ideal pro time. Nós aqui batemos na tecla do 3-5-2, tendo Cícero de líbero e Honda volante, mas aí o Cícero pegou COVID/combo lesão/combo velhice e o Luiz Fernando DO NADA foi emprestado pro Grêmio - creio eu que pra gerar caixa rápido pra pagar os salários atrasados dos funcionários, fora disso não há justificativa - matando a nossa ponta direita com função tática. 
Por outro lado, Kalou, Victor Luís e Forster chegaram, enquanto Kanu se firmou como um zagueiro de bom nível e que merece ser titular. Barrandeguy, com toda sua dificuldade, elevou o nível das atuações e Autuori descobriu um senhor ponta/ala/volante em Guilherme Santos, o lateral esquerdo que já ia ser dispensado. 

Honda e Kalou juntos. Vai dar bom? Forster e Victor Luís também chegaram somando muito ao elenco. Foto: Vitor Silva/Botafogo. Fonte: Uol Esportes. 


Em outras palavras, o time tem real condição de alternar a posição do Honda ou mesmo revezar sua escalação com Bruno Nazário na função de meia. Ou, quem sabe, ESCALAR AMBOS?
Sim, é possível. Forster era cotado para ser zagueiro ou improvisado na lateral, mas atuou com perfeição na volância contra o Galo. Mostrou qualidade absurda de passe e lançamento, com marcação forte e precisa. Era o volantão que todo mundo queria que estivesse do lado do Caio e do Honda. Se o time precisar de mais força de marcação, poderia ser improvisado na lateral dando espaço para Guilherme assumir a vaga no meio. 

Possível posicionamento defensivo pro time. Forster como um falso ala, fechando o espaço direito na falta de um ponta pra função. 

Com isso, o time teria uma dupla de meias extremamente técnicos, um ponta agudo e decisivo (Luis Henrique) e um bom centro avante a escolher (Raul ou Babi, que tem atuado bem demais). Taticamente, os ataques se concentrariam mais à esquerda, o que obrigaria que um dos volantes ficasse mais ao lado direito. De início, eu imagino o Caio mais centralizado, com o Forster ocupando aquele espaço para evitar os avanços nas costas do Barrandeguy. Seria um 4-1-4-1 na defesa. Ofensivamente, os laterais subiriam com liberdade ao meio, com Honda recuando um pouco mais pra buscar a bola e Nazário encostando no ataque, e os volantes fechando a linha de 4 defensiva. 

Laterais soltos, volantes fechando linha. Time ganha técnica e finalização, sem abdicar de velocidade. Volantes tem alta qualidade de passe. 
 
Obviamente, essa ideia parte do conceito de que Forster poderia de fato atuar ali pelo lado direito. Nem inserimos a incógnita Kalou - que se estiver bem, é difícil prescindir de sua técnica, mas precisaria de compensação na parte tática pra ele jogar, ainda mais junto com o Honda. Se Forster apenas puder fazer a cabeça de área centralizado, talvez seja o substituto ideal - e titular incontestável - no lugar do Cícero para o 3-5-2 que concebemos antes, com Kalou e Luís Henrique revezando atuações/tempos. O time pode variar bastante usando Guilherme Santos, que pode entrar na volância no lugar do Caio ou do Honda, e também na ponta fechando melhor o espaço sem deixar de oferecer produção ofensiva. Inclusive, continuo achando que deve ser a melhor formação possível esse 3-5-2. 

Entretanto, acho que vai ser difícil ver esse time jogar assim. A chegada do Kalou com certeza exerce pressão pra que se encontre um jeito do time usar Honda e Kalou o máximo de tempo possível, aproveitando da possibilidade de fazer 5 substituições. Pensando isso, uma ideia que me ocorreu foi a seguinte:

4-3-3: Time compensa a presença de Honda e Kalou com 2 volantes fortes na marcação. Voltado para contra ataque, explorando Luis Henrique e Kalou (enquanto tiver gás). 

Penso que se ambos precisam jogar, e se vamos precisar disso, o meio campo precisa compensar em marcação. Não da pra pedir pra Kalou e Honda ficarem atrás de lateral. Com isso, avanço Honda para atuar mais próximo à área, fecho um meio marcador e com capacidade de lançamentos longos para explorar contra ataques usando os pontas (Caio como opção caso Guilherme não possa atuar, acho Luís Otávio muito verde ainda). Esse time necessariamente precisaria treinar bastante linha de impedimento defensiva: a ideia é congestionar o meio sem bola, e sair em velocidade. Portanto, zaga e volantes precisam estar próximos dos pontas, impedindo o adversário de construir e atacando rápido. Com a escalação, preservamos algumas peças para o segundo tempo, onde dá pra alternar um pouco o panorama e voltar para o famigerado 3-5-2, trazendo Nazário, Caio e Babi a campo, renovando as energias. 

Deixo o resto pro Nycolas palpitar e fazer seus desenhos, que já roubei muito a função dele. 
Mas temos que falar da SENHORA AULA de Paulo Autuori, né Maikin?

Todo mundo com cu trancado pra enfrentar o Galo, mesmo sendo nosso eterno freguês. E trancou a ponto de não passar nem elétron quando o nosso professor resolveu mandar a campo 4 atacantes, poupar Honda e barrar meio time. DEU CERTO. O Botafogo deu a bola ao oponente que adora criar, e criou, mas sem objetividade. O volume de jogo do Galo não se traduziu em chances claras, e quando estas apareceram, brilharam Kanu, Marcelo e Gatito. 
Por outro lado, o adversário avançou desesperado dando espaços, extremamente bem explorados pelo ataque do Botafogo. Todas as nossas chances levaram perigo. Um pouco mais de sorte e tinha sido 3 a 0 só no primeiro tempo. 

No total, o Galo ainda saiu no lucro com lei do ex e juiz mal intencionado tentando nos impedir de levar a vitória. Mas não foi capaz de evitar a freguesia. Derrubamos o líder do campeonato e um dos mais cotados ao título, o que mostra que esse time tem potencial pra fazer frente aos oponentes mais fortes e fazer um bom campeonato, desde que haja dedicação e inteligência por parte de jogadores e técnico. Autuori fez sua parte, e o time também, 3 pontos na conta. 

Vamos às notas. Eu costumo dar nota só em jogo que eu vou no estádio, mas isso tá longe de voltar a acontecer. Então todo jogo que eu efetivamente conseguir assistir, vou dar nota por aqui, tendo tempo de postar:

GATITO - 9
Pegou até pensamento e o que não pegou, um chute enviesado de Rabello no fim de jogo, não conta. 

BARRANDEGUY - 6,5
Sofreu marcando Keno, mas não comprometeu. Tem evoluído.

MARCELO - 8
Ganhou todas as bolas que disputou. Não ser cogitado na Seleção é má vontade com o Botafogo. 

KANU - 8
Cresceu absurdos e já é incontestável na zaga. 

DANILO BARCELLOS - 6,5
Não deu bobeira, apesar da limitação técnica. Dentro do que pode oferecer, foi bem. 

LUIZ OTÁVIO - 6
Marcou, espanou bola. Mas só também. Valeu pela entrega.

GUILHERME SANTOS - 7,5
Sua história no clube já é linda. Mais uma função executada com precisão. Sofreu um pouco até achar a marcação, mas depois que se encontrou contribuiu com leituras precisas e bons passes e arrancadas. 

LUIZ FERNANDO - 7
Tecnicamente questionável como sempre, mas taticamente perfeito e presente. Coroou a correria com um gol de oportunismo. Pode fazer falta no elenco.

LUIZ HENRIQUE - 8
Fez um inferno na defesa atleticana, iniciou as principais jogadas de perigo. Gol foi mais seu que do Luiz Fernando. 

MATHEUS BABI - 7
Meio que fora de posição, correu e deu trabalho, ganhou boas disputas e foi essencial pro funcionamento do sistema tático. 

PEDRO RAUL - 6,5
Não recebeu muitas bolas, perdeu um gol feito, mas lutou pelo time. Precisa voltar a acertar o pé na forma pra não perder a posição pro Babi. 

BRUNO NAZÁRIO - 6,5
Entrou e compôs bem sua função de desafogo. Teve gol mal anulado. 

CAIO ALEXANDRE - 7
Entrou bem, soube flutuar entre defesa e ataque quando necessário, fez mais um gol importante. 

RAFAEL FORSTER - 7,5
Entrou e tomou conta do jogo. Tem tudo pra ser titular numa posição que pode ser a solução pro time ter mais criatividade e liberdade. 

RHUAN - 6
Teve pouco tempo pra atuar, mas não foi mal. 

FERNANDO - 6
Surpreendentemente, não foi mal. 

PAULO AUTUORI - 10
Deixou todo mundo desesperado com a escalação. O resultado foi um jogo totalmente controlado pela sua estratégia, com cada movimento bem pensado. Acertou nas mudanças e não teve medo de mexer, como em outras partidas. Fez por onde relembrar que ninguém é campeão de tudo como ele é à toa. 

Amanhã tem jogo decisivo contra o Flamengo. Eles não vêm tão bem, a gente tá indo melhor que o esperado. Ou seja, favoritismo que tecnicamente já era deles foi totalmente pra eles agora, pela lei do antecedente de clássicos (quem vem bem empaca e quem vai mal acha sorte). Mas que fique o favoritismo pro lado de lá mesmo. É sempre bom vencer sendo o underdog

Saudações alvinegras!

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Botafogo e Fluminense: Os únicos clubes que orgulharam suas torcidas no quesito pandemia

Olá a todos os cornetinhas que estivessem ou não com saudade. Venho no embalo da chegada do nosso parceiro Nycolas - botafoguense doente como eu, corneta como eu, e mais metido a analista do que eu - pra retomar o hábito de tentar destrinchar opiniões medianamente embasadas e muito inflamadas sobre o futebol na perspectiva do torcedor do Botafogo

E antes de voltar a falar do futebol em si, eu preciso fazer uma pausa pra falar sobre o assunto que vai continuar norteando as discussões futebolísticas por muito tempo - assim como em toda e qualquer discussão: a pandemia de COVID-19 no mundo, e especificamente seus efeitos no Brasil. 

Pra começar: se você é bolsonarista, negacionista, maluco, qualquer dessas merdas que nega a gravidade do que está na sua frente por achismo, VAI TOMAR NO CU.  Passa fora. Ninguém te quer por aqui, abraço e fique longe dos outros para bem da saúde pública. Se até agora a ficha da merda que tu fez e está fazendo não caiu, nem quando tu pegar essa desgraça de doença vai cair.

Enfim, dito isso, vamos recapitular um pouco. Já havia sinais, desde o começo de março, que o país provavelmente sofreria alguma espécie de quarentena ou eventualmente lockdown em função da confirmação de casos de COVID no nosso território, e transmissão doméstica na sequência. Logo, era esperadíssimo que o futebol, como todos os outros tipos de eventos aglomerantes e de contato físico, iria parar. 

O problema é que, como todos sabem, as principais autoridades do país, somados a uma elite tosca e sem alma, não apenas negaram a gravidade da situação como fizeram de todo o possível para impedir que as medidas sanitárias cabíveis fossem tomadas, bem como incentivaram a população a adotar a postura menos recomendada possível numa pandemia: tocar a vida como se tudo estivesse normal e nada que os cientistas receitam funcionasse. O resultado é que não apenas a pandemia jamais esteve sob controle no país, como isso implicou no alongamento de uma quarentena meia bomba, mal feita, que em outros termos e posturas poderia ter sido infinitamente mais curta. 

O alongamento dessa quarentena representou o maior risco de aperto financeiro para os negócios - reforçando ainda mais a pressão das elites, embora estas pouco sofram com isso - e enlouquecimento geral da população em algum grau (se você não ficou meio surtado nesses meses em casa, você é um robô ou uma pessoa muito falsa e eu quero distância de ti). Para o futebol, que parou no meio dos estaduais, isso significava uma pressão enorme sobre os cofres dos clubes pequenos. Maior ainda se pensarmos que o retorno com certeza não teria público - mas cabe lembrar que a prefeitura do Rio chegou a cogitar a insanidade de liberar o retorno do público ainda em julho. 

E bom, sejamos francos, aperto financeiro é um motivo plausível pra você ficar ansioso pelo retorno. Entretanto, ao invés dos clubes se juntarem pra cobrar as entidades que poderiam suprir apoio nesse momento de necessidade - no Carioca, a FERJ - o que houve foi um apelo às autoridades para apressar um retorno de qualquer jeito. O caso do Carioca é especialmente emblemático: o Maracanã deveria sediar jogos com um hospital improvisado instalado nas imediações? 

Já havia outras polêmicas rodando o campeonato antes disso. O Flamengo tinha conseguido a proeza de jogar todos os jogos - mandante ou visitante - no Maraca. Corrigirei a frase: não foi nem o Flamengo que propôs, mas os pequenos e a FERJ que arranjaram uma venda de mando de campo em massa, forçada, pra lucrar em cima da torcida rubro-negra. O Fla não é bobo e aceitou. Mas o enviesamento esportivo que isso tem é criminoso e evidente. Flamengo foi o único dos grandes que não precisou se submeter a pegar ônibus pra estrada esburacada, jogar em estádio mal cuidado e grama enlameada até o talo. Ninguém foi punido, nenhuma reclamação oficial foi feita. 

Some isso ao elitismo e bolsonarismo assumidos da atual diretoria rubro-negra. O Flamengo ativamente pressionou pelo retorno do campeonato às pressas, apostando em um protocolo que talvez só ele pudesse atender com plenitude. Em troca, teve apoio do governo pra aprovar uma MP que favorecesse seu projeto de romper com a Globo. Eu poderia passar horas dizendo coisas sobre essa MP, que tem seus lados positivos e negativos, mas vamos assumir que se por um lado não é bonito esse tipo de politicagem, todo clube faz ou já fez ou fará, então crucificar o urubu por isso é hipocrisia. Entretanto, usar sua imagem em prol de um desserviço social, reforçando a ideia de que a pandemia estava controlada ou que fazia sentido retornar às pressas, pegou muito mal com muitos torcedores flamenguistas. Pra surpresa geral, ninguém menos que o Vasco foi o principal aliado do Flamengo nessa empreitada. Se era olho na MP ou bolsonarismo, difícil dizer. Mas foi o que aconteceu .

Botafogo e Fluminense foram os únicos clubes do Rio ativamente contra a decisão de apressar o retorno. Não só grandes não, únicos clubes mesmo. Os pequenos, como esperado, não cobravam a FERJ para auxílio, mas sim para de fato viabilizar um retorno. A FERJ já é diretamente comandada por ex-dirigentes de clubes menores, que ainda se infiltram na política dos mesmos e manipulam os bastidores. O resultado era um só: Botafogo e Fluminense seriam voto vencido. 

Apesar desse fato obviamente ter se consumado, ambos os clubes protestaram o máximo possível e mesmo judicializaram a questão: havia respaldo nas orientações das autoridades sanitárias em não retornar e portanto não havia porquê treinar, então se seriam forçados a retornar que houvesse mais tempo até as partidas. Isso não durou muito tempo e gerou situações toscas, como a FERJ anunciar que houve acordo para retorno de todos os clubes - sem assinaturas de Botafogo e Fluminense - ser desmentida e armar um pé de guerra. Paulo Autuori, técnico do Fogão, soltou poucas e boas pra cima dos cartolas safados na imprensa, sendo posteriormente censurado e suspenso de partidas. O Botafogo respondeu e foi ridiculamente atacado numa nota pífia e descarada do Bangu, que nada tinha com a conversa: obviamente quem mandou escrever foi a FERJ.

Autuori revoltado: Experiente treinador soltou o verbo pra cima dos cartolas da FERJ, e foi suspenso pelos asseclas da mesma no TJD. Foto: Vitor Silva/Botafogo. Fonte: FogãoNet.com

A coisa não parou por aí: no tão famigerado retorno, Botafogo - que levou a campo no retorno e nas partidas seguintes que teve no campeonato uma camisa homenageando os profissionais de saúde lutando contra o COVID e uma homenagem ao Black Lives Matters, além de críticas ao retorno em si - e Fluminense passaram a ser perseguidos também FINANCEIRAMENTE pela FERJ. O ataque foi sem pudor: cobrando até 10 vezes mais pelos custos de realizar a partida aos dois clubes em comparação à Flamengo e Vasco. 
Os clubes protestaram com faixas em conjunto no duelo que fizeram entre si pelas semifinais, posteriormente. 

Protesto inicial do Botafogo no fatídico retorno. Camisas pretas especiais com homenagens aos profissionais de saúde e o BLM. Fonte: Hora do Povo. 


Aí você vai questionar: "Po, maneiro, mas e daí? Voltou do mesmo jeito e agora não tá protestando pro Brasileiro"
A questão é que ambos os clubes, em nenhum momento, usaram de sua imagem de forma total e absolutamente nebulosa e cruel, nenhum deles tentou atropelar nada. Botafogo e Fluminense tentaram até o fim negociar termos mais racionais para pensar o retorno, e foram silenciados pela FERJ, com apoio de Flamengo e Vasco. Não somente, foram vítimas de uma tentativa patética de extorsão. 
Qualquer juiz com a mão na consciência revoga as cobranças feitas pela FERJ. O difícil é achar um que não seja maracutaia com a FERJ ou que seja capaz de silenciar seu clubismo. 

Mais do que só protestar por um retorno sem pé nem cabeça: Botafogo e Fluminense foram os únicos que pareceram perceber a situação do país para a sequência do futebol. A pressa de Flamengo e Vasco em retornar resultou em SEMANAS parados esperando o retorno do Brasileirão, que agora novamente ameaça parar com os números de casos de COVID disparando entre clubes - e o péssimo protocolo CBF provando-se inútil como esperado. Se o Vasco até agora não sentiu esse peso da falta de ritmo, o Flamengo com certeza sentiu e os desempenhos refletem isso. 

E vamos pensar sem má fé aqui né pessoal: Botafogo e Fluminense eram voto vencido DE NOVO  no Brasileirão, mesmo que teimassem. E a CBF consegue ser pior que a FERJ. Não havia mais o que fazer a não ser jogar, ainda que contrariado. O que importa, e o que esse texto tenta refletir, é que o recado foi dado e as torcidas pegaram. 

Ao menos eu, honestamente, me senti extremamente orgulhoso do Botafogo e sua postura mais humanitária. O time tem um porrão de problema pra resolver, nós torcedores cobramos todo santo dia que arrumem a situação de salários atrasados, especialmente pros funcionários. Mas negar que o clube deu à cara a tapa e não pegou carona no negacionismo pandêmico é ridículo. A postura foi e deve ser exaltada e lembrada sempre. RESPEITEM NOSSA HISTÓRIA!

Protesto conjunto de Bota e Flu contra a perseguição da FERJ. Foto: Gilvan de Souza/Agência Estado. Fonte: Globoesporte

A gente tava tão certo nessa conversa toda que cá estamos com o Brasileiro a no máximo poucas semanas de nova suspensão. A cereja do bolo no Carioca foi que no fim FERJ e Flamengo romperam, os clubes pequenos que foram na ideia deles se lascaram completamente com o risco da Globo não patrocinar mais o Carioca - se fecharem é merecido, não tem tradição que resista à pequeneza e mesquinharia dessas famílias de cartolas - o Flamengo tentou atropelar a própria ideia só pra não aceitar o direito do Fluminense de narrar partida com clubismo como eles fizeram, enfim. Podemos ter 20 mil problemas, mas ser babaca e ser orgulhoso de ser babaca não tá no nosso repertório. 

Aos amigos flamenguistas e vascaínos que se sentirem ofendidos, não estou atacando as torcidas nem o clube como existência, mas especificamente as diretorias e suas posturas tóxicas. O Flamengo mesmo usou de seu poderio financeiro pra tentar distribuir kits de higienização pra população - até onde sei Botafogo e Flu também fizeram - pra não ficar tão feio na fita. A questão mesmo é: vocês sentiram um pingo de orgulho assistindo essa história toda?

Eu sei o seguinte: Botafogo contratou Honda e Kalou a preço de banana, sem pagar um centavo em transferência e pagando pra eles juntos o que pagaria num Diego Souza. Tudo isso tomando penhora na cabeça todo santo dia, se virando pra tirar um centavo pra pagar meio salário atrasado. E no meio dessa pandemia, com perda de receitas. Amigo, papo reto: se o Botafogo sobreviveu desse jeito e ainda formou o elenco que formou, bom e barato assim, eu tenho certeza absoluta que vai pagar os funcionários, vai dar uma ajeitada na casa e ainda vai pagar o advogado do Fluminense pra enrabar a FERJ toda até o osso. Falem o que quiserem, vocês não podem reescrever a história. E ela cobra.

Se você ainda duvida de tudo que eu disse, leia por si próprio os capítulos toscos dessa bagaça:


Saudações alvinegras! E tricolores, também!